Vivemos um tempo em que as nossas vidas parecem estar em suspenso, mais ainda assim não podemos deixar de assinalar o Dia Mundial do Teatro 2020 com a mensagem oficial deste ano cuja autoria é do dramaturgo paquistanês Shahid Nadeem.
O Dia Mundial do Teatro foi criado em 1961 pelo Instituto Internacional do Teatro (ITI), com o objectivo de promover a arte do teatro junto da pessoas. Um dos eventos mais importantes associado ao dia é a circulação da Mensagem do Dia Mundial do Teatro, através da qual, a convite do ITI, uma figura de estatuto mundial compartilha as suas reflexões sobre o tema de teatro e uma cultura de paz. A primeira Mensagem do Dia Mundial do Teatro foi escrita por Jean Cocteau (França) em 1962.
Shahid NADEEM, Paquistão
O Teatro como Santuário
Após uma representação, por parte do Ajoka Theatre1, de uma peça sobre o Poeta Sufi Bulleh Shah , um velho, acompanhado de um rapaz, acercou-se do ator que interpretava o papel do grande Sufi. “O meu neto não está bem; você pode dedicar-lhe uma bênção.” O ator foi apanhado de surpresa e disse, “Eu não sou Bulleh Shah, sou apenas um ator a representar este papel.” O homem disse, “Filho, tu não és um ator, tu és uma reencarnação de Bulleh Shah, o seu Avatar”. De repente, todo um novo conceito de representação, de teatro, despontou para nós, no qual o ator se torna na reencarnação da personagem que ele/ela está a representar.
Explorar histórias como a de Bulleh Shah, e há tantas em todas as culturas, pode tornar-se uma ponte entre nós, os fazedores de teatro e uma plateia que, mesmo que desconhecedora, pode ser entusiasta.
Enquanto representamos no palco, por vezes deixamo-nos levar pela nossa filosofia do teatro, pelo nosso papel de prenunciadores de mudança social e, ao fazê-lo, deixamos para trás um vasto setor de massas. No nosso compromisso com os desafios do presente, privamo-nos das possibilidades da experiência espiritual profundamente emotiva que o teatro pode proporcionar. No mundo de hoje, no qual a intolerância, o ódio e a violência estão de novo em ascensão, o nosso planeta mergulha cada vez mais profundamente numa catástrofe climática, precisamos de renovar a nossa força espiritual. Precisamos de combater a apatia, a letargia, o pessimismo, a ganância e o desrespeito pelo mundo em que vivemos, o Planeta em que vivemos. O Teatro tem um papel, um nobre papel, para energizar e mobilizar a Humanidade a erguer-se da sua descida para o abismo. O Teatro pode elevar o palco, o espaço de representação, a algo sagrado.
Na Ásia Meridional, os artistas tocam o palco com reverência antes de o pisarem, numa tradição que já vem desde quando o cultural e o espiritual estavam interligados. É tempo de reganharmos a relação simbiótica entre o artista e o público, o passado e o futuro. Fazer Teatro pode ser um ato sagrado e os atores podem, de facto, tornar-se avatares dos papéis que interpretam. O Teatro eleva a arte de representar a um plano espiritual superior. O Teatro tem o potencial de se tornar num santuário e o santuário num espaço performativo.
Tradução: Ricardo Simões / Teatro do Noroeste – Centro Dramático de Viana – Portugal